segunda-feira, 2 de maio de 2011

Justiça do Trabalho completa 70 anos de atividades

Um dos ramos mais céleres do Judiciário. O epíteto, repetido à exaustão quando o assunto é Justiça do Trabalho, vem ganhando ar de verdade incontestável. Hoje, ela é destino de um em cada quatro conflitos do país e todas as turmas e seções do Tribunal Superior do Trabalho recebem e despacham processos por meio totalmente eletrônico. No ano de 2009, de acordo com o último levantamento do Conselho Nacional de Justiça, esse ramo da Justiça brasileira recebeu 3.419.124 casos novos e tem 3,2 milhões de casos pendentes. Em comparação com a Justiça Estadual e a Federal, a soma do número de novos processos e do estoque é, de longe, a menor.
Nascida há 70 anos, por muito tempo não passou de um órgão do Executivo. Tomou corpo no ordenamento jurídico apenas em 1946. A partir daí, foi precursora de inovações que viriam a afetar a Justiça do país.
Uma dessas primeiras inovações está intimamente ligada à origem do direito trabalhista, como lembra a juíza Olga Vishnevsky Fortes, responsável pela Central de Conciliação em Execução Trabalhista do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-2). "Nesse ramo do Direito, o processo surge como meio e não como fim. Ela foi pioneira nisso e acabou influenciando outros segmentos do Direito", afirma.
Assim como Olga, outros especialistas no assunto apontam a simplicidade dos procedimentos como característica marcante da Justiça trabalhista. "O processo é mais dinâmico que nos outros ramos do Judiciário", concorda Paulo Sérgio João, professor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. Prova disso, aponta, é a existência dos chamados ritos sumaríssimos, pregando prazos mais curtos e ritos menos solenes.
Caráter sociológico
Falar de Justiça do Trabalho é recordar, necessariamente, do gaúcho Getúlio Vargas, que, em 1930, deu o pontapé inicial no intervencionismo estatal nessa seara, criando o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Na esteira de uma série de mudanças sociais, econômicas e políticas, o ramo surge com um forte caráter sociológico. Ou, nas palavras do especialista no assunto Amauri Mascaro Nascimento, "o direito do trabalho nasce com a sociedade industrial e o trabalho assalariado".
Com a atuação dos operários, sobretudo italianos e espanhóis, configurou-se um período de greves e insatisfação. Jornada de oito horas, assistência médica e segurança do trabalho estavam entre as palavras de ordem. A classe já começava a se engajar: no final do século XIX surgem as primeiras ligas operárias. Esses grupos evoluem para os sindicatos e, em 1902, é criada uma publicação própria, o jornal Avanti. Em 1917 acontece uma greve geral, em São Paulo. Até 1930, essa seria a maior paralisação do país, com 45 mil trabalhadores. Eles exigiam reajuste salarial de 20%, fiscalização dos preços no varejo, liberdade para os operários presos e não punição aos grevistas. Um comitê de conciliação entra em campo para resolver o impasse.
O cenário foi piorando até que, em 1931, dois milhões de desempregados saíram às ruas do Rio de Janeiro e de São Paulo clamando por melhorias. A primeira leva de leis trabalhistas é promulgada nesse contexto, como a regularização do trabalho feminino, em 1932, e das convenções coletivas de trabalho, no mesmo ano.
Luciano Martinez, em seu Curso de Direito do Trabalho, fala sobre a origem sociológica. "O direito do trabalho foi o primeiro dos direitos sociais a emergir e, sem dúvida, por conta de sua força expansiva, o estimulante da construção de tantos outros direitos sociais, entre os quais aqueles que dizem respeito à previdência social, à saúde, à assistência social, à educação, à segurança, à moradia e ao lazer."
O Decreto-Lei 1.237, de 2 de maio de 1939, determina, em seu artigo 1º, que "os conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados, reguladas na legislação social, serão dirimidos pela Justiça do Trabalho". Mas o mais importante estava por vir, com a Constituição Federal de 1934 disciplinando as relações de trabalho, em um ato inédito. É também nessa fase que surge a denominação "Justiça do Trabalho". Embora com previsão já constitucional, foi parar no Congresso Nacional o projeto de lei que a estruturava.
Pelo artigo 121 do texto, ficou estabelecido que a lei promoveria o amparo da produção e estabeleceria "as condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do país".
Outro Decreto-Lei, o 9.797, de 1946, o órgão passou de vez ao Judiciário. E os juízes, por sua vez, foram contemplados com todas as garantias da magistratura, como , irredutibilidade de subsídios e vitaliciedade no cargo.
Primo do Direito Civil
É com a Constituição Federal de 1946 que a Justiça do Trabalho é incorporada de fato ao Judiciário. Para Martinez, esse momento é o ápice do aperfeiçoamento da segmentação, no qual é demonstrada a igualdade entre as partes componentes dos grupos sociais.
No mesmo ano, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) adotou a denominação "direito do trabalho" em detrimento de nomenclaturas como "direito social" e "direito laboral". Apesar da mudança, a primeira instância continuaria a ser composta por um juiz togado, que exercia a presidência, e por dois juízes classistas — um que representava os empregados e outro, os empregadores. Com a reforma processual trabalhista introduzida pela Emenda Constitucional 24, essa composição paritária se extinguiu. os juízes classistas foram extintos em 1999. A partir daí, as então Juntas de Conciliação e Julgamento mudaram de nome, passando a ser chamadas de varas.
Com a mudança do ramo de lado, ocorreu um desmembramento em outro área do Direito, a Cível. O ministro Ives Gandra Martins comenta a reviravolta em História do Trabalho, do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho: "Da mesma forma que o Direito do Trabalho surgiu do desmembramento de uma parte do Direito Civil relativa aos contratos de locação de serviços, a Justiça do Trabalho surgiu como corolário da independência da nova disciplina jurídica [...] Antes de seu surgimento, cabia à Justiça Comum a apreciação das controvérsias relativas a esses contratos pelas leis civis e comerciais".
Assim, um novo corpo semântico — antes estranho ao ordenamento jurídico — também surge para dar conta do recado. "A crescente quantidade de normas legais que tratavam das relações entre o empregado e empregador passou a justificar um estudo especial", explica Luciano Martinez. Dentre as novas palavras estão conceitos como empregado, empregador, jornada, salário e convenção coletiva de trabalho.
Esse último, inclusive, constitui outra novidade trazida pela Justiça Trabalhista, ao lado da possibilidade de conciliação entre as partes. "O Código Civil só vai incorporar a conciliação em 2002, mas o direito do trabalho falava sobre o assunto antes disso", conta o advogado Roberto Koga. "Nesse sentido, pode-se dizer que essa é a Justiça que tem evoluído."
Hoje, a primeira instância da Justiça do Trabalho é formada por 1.327 varas, distribuídas ao longo do Brasil. Ao todo, são 24 tribunais regionais, com 293 juízes. O TST é composto por 27 ministros, que possuem a missão de uniformizar a jurisprudência. 
Fonte: Conjur