quinta-feira, 19 de maio de 2011

HORAS EXTRAS. MOTORISTA. TRABALHO EXTERNO. IMPOSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO DO TEMPO EFETIVAMENTE LABORADO NAS VIAGENS. ARTIGO 62, I, DA CLT

PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 14ª REGIÃO
PROCESSO: 00563.2004.005.14.00-5
CLASSE: RECURSO ORDINÁRIO
ORIGEM: 5ª VARA DO TRABALHO DE PORTO VELHO - RO
RECORRENTE: TRLOG LOGÍSTICA E DISTRIBUIÇÃO LTDA
ADVOGADO(S): MARCOS ROBERTO DA SILVA SANTOS
RECORRIDO: ENILSON INÁCIO DE SIQUEIRA
ADVOGADO(S): RAIMUNDO FERREIRA RIOS E OUTRO
RELATORA: JUÍZA MARIA DO SOCORRO COSTA MIRANDA
REVISOR: JUIZ CONVOCADO FRANCISCO DE PAULA LEAL FILHO
 
        HORAS EXTRAS. MOTORISTA. TRABALHO EXTERNO. IMPOSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO DO TEMPO EFETIVAMENTE LABORADO NAS VIAGENS. ARTIGO 62, I, DA CLT. Verificando-se que o labor desenvolvido pelo obreiro era de motorista de caminhão, portanto um trabalho externo, no qual não se pode aquilatar a real jornada laborada durante as viagens, há de se reconhecer a impossibilidade de se deferir as horas extras, em virtude da excepcionalidade prevista no artigo 62, i, da CLT.
 
1 RELATÓRIO
Trata-se de recurso ordinário (fls. 81/88), o qual se debate contra a sentença de fls. 42/48, que julgou parcialmente procedente a ação e condenou a reclamada a pagar ao reclamante os valores apurados em liquidação, a título de horas extras a 50% e 100% e reflexos, mais os valores apurados de 13º salário, férias com 1/3 e FGTS com multa de 40%, do período não anotado, nos termos da fundamentação. Como obrigação de fazer, condenou a empresa a retificar a CTPS do reclamante. Ressalte-se que foram aviados embargos declaratórios (fls. 76/77), que apesar de conhecidos foram rejeitados. As razões recursais consistem na alegação de que o Juízo de 1º grau deveria ter considerado firme o depoimento pessoal do preposto da recorrente e não somente o depoimento da segunda testemunha do recorrido. Salienta que o depoimento do preposto comprova cabalmente que não existia controle de jornada. Afirma que não havia fiscalização e o labor de motorista era prestado de forma externa, não caracterizando o direito de receber horas extras. Para demonstrar a justeza na sua tese junta aos autos vários arestos. Por fim, diz que a CTPS do recorrido está devidamente anotada e que não houve prova de que a contratação tenha se dado na data de 30.11.2000.
Contra-razões do recorrido (fls. 97/99), que mantém-se na sua posição antagônica.
2 FUNDAMENTOS
2.1 CONHECIMENTO
Presentes os pressupostos, conheço do recurso.
2.2 MÉRITO
2.2.1 DA EFETIVA CONTRATAÇÃO. PROVA. ARTIGO 818 DA CLT.
A recorrente afirma que o obreiro não fez prova de que a contratação tenha se dado na data de 30.11.2000.
Falta-lhe razão.
É bem certo que o obreiro não trouxe aos autos qualquer prova da sua alegação quanto ao início do labor, porém, nem por isso a sua alegação perdeu a força, já que não houve contestação específica quanto a essa alegação, como se pode ver na peça defensiva acostada às fls. 49/58, mas tão-somente uma singela e vaga menção, nos seguintes termos, verbis:
"A CTPS, [sic] está devidamente anotada, não havendo nada a ser retificada, razão pela qual a presente reclamatória deve ser julgada improcedente "in totum", condenando-se ainda o reclamante, e solidariamente...."
Como se vê, a empresa não se insurgiu especificamente quanto à anotação da data de início do pacto laboral, coisa que deveria ter feito, já que é notório que o obreiro fez duas alegações quanto a possíveis erros na anotação da CTPS - uma relativa à data de início do pacto e outra quanto a mudança das funções desempenhas (fl. 35) - o que atrai a aplicação do artigo 818 da CLT c/c o artigo 333 do CPC, usado supletivamente.
Assim sendo, rejeita-se a tese, reconhecendo-se o dia 30/11/2004 como de início do pacto laboral.
2.2.2 HORAS EXTRAS. MOTORISTA. TRABALHO EXTERNO. EXCEÇÃO DO ARTIGO 62, I, DA CLT.
No que tange às horas extras, o recorrente afirma que o Juízo de 1º grau deveria ter considerado verídico o depoimento pessoal do preposto da recorrente e não somente o depoimento da segunda testemunha do recorrido, posto que a oitiva do representante da empresa foi muito esclarecedora quanto a inexistência de controle de jornada. Afirma que não havia fiscalização e o labor de motorista era prestado de forma externa, não caracterizando o direito de receber horas extras. Para demonstrar a justeza na sua tese junta aos autos vários arestos.
Razão lhe assiste em parte, mas por outro fundamento.
Antes de mais nada, é necessário que se faça uma pequena análise do pedido inicial, inclusive do aditamento (fl. 35), para se delimitar exatamente quais os períodos que serão agraciados com a possibilidade de deferimento das horas extras. Explica-se, por oportuno, que essa análise se torna necessária, pois uma parte da tese defensiva e recursal da reclamada refere-se à impossibilidade de percepção de horas extras por trabalhador com função externa e sem controle de jornada.
Vejamos:
Na peça inicial, o reclamante afirma que iniciou o labor em 30/11/2000, mas só foi registrado em 02/01/01 e que até o dia 31/03/2003 trabalhou como motorista, passando então a laborar como encarregado (01.04.2003) até a sua dispensa, que ocorreu em 01.04.2004. Já no aditamento à inicial (fl.35), o obreiro modificou a sua alegação inicial e disse que a partir de 01/06/2002 passou a desenvolver as atividades de encarregado de transporte, mas continuou recebendo o salário de motorista e que a sua CTPS foi anotada em 01/04/2003.
Dessa miscelânea de afirmações, pode-se retirar a seguinte ilação: o reclamante iniciou o labor em 30/11/2000, mas só foi registrado em 02/01/2001, começando a laborar na função de motorista e exercendo essa atividade até 01/06/2002, quando então passou a exercer a função de encarregado de transporte, mas continuou recebendo como se motorista fosse e que essa mudança de funções só fora registrada na sua CTPS em 01/04/2003. E que ficou, até o final do contrato, laborando como encarregado de transporte.
Feito esse parâmetro, pode-se claramente dividir em duas partes o pedido de horas extras, sendo o primeiro do período laborado como motorista (30/11/2000 até 01/06/2002) e outro do período laborado como encarregado de transporte (01/06/2002 até o final do pacto, 01/04/2003).
Voltando à análise do recurso, agora com mais firmeza, pode-se dizer que a tese da recorrente voltou-se apenas quanto ao período em que o obreiro laborava como motorista, já que toda calcada sobre a impossibilidade de percebimento de horas extras por trabalhadores que exercem a sua função de forma externa e sem controle de jornada, como os motoristas, levando a crer, todavia, que anuiu com a parte da sentença que reconheceu o direito à percepção das horas extras, no período em que o obreiro laborou como encarregado de motorista, função essa que não é externa e pode muito bem ser controlada pela empresa.
Se assim é, esclarece-se, desde logo, que a atenção nesse recurso será centrada somente ao período de 30/11/2000 até 01/06/2002, no qual houve o labor externo e, supostamente, sem controle da jornada, como motorista.
Nessa premissa, fazendo-se uma análise percuciente do conjunto fático-probatório existente nos presentes autos, chega-se a inarredável conclusão de que o labor prestado pelo recorrido, enquanto laborava na função de motorista (até 01/06/2002) se desenvolvia sem controle de jornada (cartões de ponto), tanto que o próprio preposto, em seu depoimento pessoal, afirma que o obreiro não tinha cartão de ponto, mesmo quando laborou como encarregado de transporte, o que de pronto atrairia a aplicação da exceção prevista no artigo 62, I, da CLT.
Todavia, esclarece-se que, para uma grande parte da doutrina, a ausência de controle da jornada feita por meio de cartões de ponto pode ser suprida por alguma forma alternativa de aferição, como é o caso de uso de tacógrafos, relatórios de viagens e escalas predeterminadas.
Nesse mister, entretanto, deve-se esclarecer que a doutrina e a jurisprudência dominantes têm se inclinado no sentido de não reconhecer direito às horas extras para o trabalhador motorista de caminhão, mesmo quando houver o uso de tacógrafos, relatórios de viagens e escalas predeterminadas, pois mesmo usando desses expedientes, não se consegue presumir a existência de labor em sobrejornada, a não ser que haja prova irretorquível, o que in casu não ocorreu. Ressalvo, que me filio à corrente retrocitada.
Para o saudoso e renomado juslaboralista Valentin Carrion, o que caracteriza o serviço externo "é a circunstância de estarem todos fora da permanente fiscalização e controle do empregador; há impossibilidade de conhecer-se o tempo realmente dedicado com exclusividade à empresa." (In Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 28ª Edição, p. 112). No presente caso, verifica-se que as viagens realizadas pelo recorrido eram longas e para variadas cidades, obrigando-o em alguns casos, inclusive, a dormir no caminhão, o que vem a corroborar com a tese de que era impossível controlar a jornada.
Dessa forma, há de ser provido, em parte, o recurso para excluir da condenação a título de horas extras o período de 30/11/2000 até 31/05/2002, mantendo-se no mais.
2.3 CONCLUSÃO
Dessa forma, conheço e dou parcial provimento ao recurso, para excluir da condenação a título de horas extras o período de 30/11/2000 até 31/05/2002, mantendo-se no mais.
3 DECISÃO
ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região, à unanimidade, conhecer do recurso ordinário. No mérito, dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto da Juíza Relatora. Sessão de julgamento realizada no dia 29 de março de 2005.
Porto Velho (RO), de de 2005.
 
MARIA DO SOCORRO COSTA MIRANDA
JUÍZA RELATORA

Publicado no DOJT14 nº 062 de 8-4-2005.

Fonte: TRF 4

http://www.trt14.jus.br/acordao/Abr_05/Data08_04/RO00563_04_RO.HTM